Minha matéria de final de semana para o jornal onde trabalho foi sobre o Dia das Mães. Este ano, sugeri dá um foco diferente à reportagem, mostrando um pouco das relações que existem entre madrastas e enteados, desmistificando o que a gente normalmente tende a imaginar que aconteça, talvez tão influenciado pelas histórias dos contos de fadas ou que vemos na ficção e, infelizmente, em alguns casos reais, de madrastas que maltratam ou enteados que fazem tudo para infernizar a vida dessa nova figura feminina que surgiu em sua vida. Isso porque muitas vezes a mãe ainda está viva e eles imaginam que foi a madrasta a responsável pelo afastamento dela do pai.
Quis compartilhar com vocês a matéria, que a seguir publico na íntegra. Boa leitura!
Engana-se
quem pensa que amor e dedicação a um filho só podem vir de quem o gerou em seu
ventre ou que foi a ele ligado por uma adoção. Cada vez mais mulheres têm
mostrado que é possível, sim, uma madrasta amar, cuidar e se relacionar bem com
os enteados, dedicando-lhes um sentimento bem diferente da ideia que comumente
se faz dela, independente de morarem juntos ou não. Embora não tenham como intenção
ocupar o lugar da mãe, muitas vezes ainda viva, no coração e no dia a dia
desses filhos, as madrastas também sabem como dar a eles esse tipo de amor, que
para muitas delas não têm como classificar, mas que se aproxima, à sua forma,
do amor maternal.
A
odontóloga Rosa Alina Andrade de Oliveira Freitas sempre adorou crianças. Quando
começou a namorar seu hoje marido, Djenal Freitas, ele já tinha uma filha, a Brenda,
na época com oito anos de idade, e desde então elas passaram a manter contato
intenso. A garota passava o dia na casa dele e os finais de semana no sítio dos
avós paternos, então elas se encontravam sempre. Foi uma paixão instântanea
entre as duas. “Quando ela estava por perto lhe dava total atenção, brincando,
conversando, passeando e assim ela logo se apegou a mim também” disse,
acrescentando que nessa época Brenda morria de ciúmes do pai com ela.
Como
sabia disso, Rosa tentava evitar qualquer situação que pudesse deixá-la
enciumada e que levasse a aborrecimentos para as duas. A dentista conta que
nunca sentiu ciúme da enteada, mas achava natural a menina sentir. Dessa forma
foi fácil conduzir as coisas para que nunca entrassem em atrito. “Passamos toda a fase do namoro
(quatro anos) muito amigas. Estudava com ela, brincávamos como crianças, a
‘sequestrava’ para minha casa na saída da escola e ela muitas vezes dormia por
lá”, contou.
Por conta
dessa boa convivência, esse relacionamento não mudou quando eles casaram. “Sempre
fui muito maternal, meu sonho sempre foi ser mãe e Brenda preencheu exatamente
esse lugar do meu coração”, disse. Depois de seis meses de casada, a
adolescente foi morar com o casal, onde já tinha um quarto preparado para ela. Segundo
Brenda, ultimamente as duas não passam muito tempo juntas, pois ela tem aula
pela manhã e à tarde e Rosa trabalha e estuda. “Mas sempre que conseguimos um
tempinho jogamos conversa fora, em casa mesmo. Faz tempo que não fazemos algo
só nos duas”, disse. A madrasta contou que não faz as vezes de mãe, mandando
estudar e arrumar a bagunça. Deixa isso para o pai. “Limito-me a dar conselhos
quando acho importante e tratá-la com carinho. Nossa convivência é bem
tranquila, existe muito respeito de ambas as partes”, relatou.
Brenda e Rosa Alina em momentos de cumplicidade |
No
início do relacionamento com o seu atual marido, a jornalista Karine Barbosa,
mãe de uma menina com seis anos, também tomou todo cuidado para que a
introdução dela na vida dos dois filhos dele, com quatro e cinco anos na época,
fosse aos poucos e tranquila. Para ela, isso foi fundamental para que não
sofresse nenhum tipo de rejeição deles e todos aprendessem a conviver e
respeitar o espaço um do outro. Há pouco mais de um ano, quando resolveram
casar de fato, depois de algum tempo morando juntos, todos já estavam
adaptados. “Então foi tudo leve”, disse.
Sentimento
Mais que
uma boa convivência, Brenda disse que ela e a madrasta Rosa sempre foram muito
ligadas e uma não vê a outra simplesmente como “a esposa do meu pai” ou “a
filha do meu marido” e sim como membro de uma família ligada não por laços
sanguíneos, mas pelo amor que sentem um pelo outro. Para elas, as dificuldades que
existem são as mesmas de pessoas que moram juntas. “O fato de não sermos mãe e
filha não piora esta situação. Respeitamos os nossos espaços, nossa
individualidade e assim vivemos em harmonia”, disse Rosa.
Brenda
disse que sua mãe biológica não tem ciúme do relacionamento dela com a
madrasta. Pelo contrário. “Ela até diz que se sente tranquila sabendo que eu
tenho uma segunda mãe”, comentou. Aos 32 anos, a odontóloga ainda não tem
filho, mas tem muita vontade de ser mãe, pois sempre foi o projeto mais
importante de sua vida. Ela acredita que a chegada de um bebê não mudará a
relação delas, mas será um bônus para a família. “Ele é muito desejado por
todos e penso que criará um laço de sangue entre nós, que hoje não temos. Será
o irmãozinho dela e o meu filho”, disse.
Cuidado especial
No
caso de Karine, a guarda dos filhos do marido André é compartilhada e os cinco
passam muito tempo juntos. Os meninos a chamam de “Tia Kaká”, denominação que
ela adora, pois é assim que se vê, pois disse que é madrasta apenas ‘no papel’,
mas não exerce essa função. “Quando estão conosco, gosto de cuidar deles com o
carinho e atenção de uma tia mesmo e me desdobro muito para que eles e Malu
sintam cada vez menos o impacto da rotina já meio diferenciada que eles levam
desde pequenos, por serem filhos de pais separados. Acho que tenho conseguido.
Essas crianças são muito amadas onde quer que estejam e qualquer pessoa que
passe um tempinho que seja com elas já percebe”, disse. Para Karine, o segredo
de tudo é carinho, cuidado e amor, embora reconheça que nem tudo é perfeição e
alegria 24 horas por dia, como se fosse comercial de margarina. “Às vezes fica
confuso, mas a gente rala sempre para deixar tudo redondinho no nosso lar. Acho
que está dando certo”, completou.
Para a
odontóloga Rosa Alina Freitas, é muito importante a madrasta entender o seu
papel na vida do enteado e não ultrapassar os limites que existem. Para ela, paciência,
sabedoria e compreensão são palavras que devem estar sempre presentes nesse
relacionamento. Ela entende que o papel do também é fundamental para trazer o
equilíbrio entre as partes e conduzir da melhor maneira a situações
desconcertantes que podem surgir. “Quando ele não consegue ser pai e marido ao
mesmo tempo, as coisas podem ficar difíceis. Ao enteado cabem o respeito e a
compreensão. Com esses ingredientes, tudo dará certo”.
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Em família: Karine, André e a filharada em viagem |
Situação atípica
No
caso da professora universitária Marjorie Garrido Severo o ingresso no papel de
madrasta foi um pouco diferente. Quando ela começou a se relacionar com seu
“namorido” (meio namorado, meio marido) ele já tinha dois filhos, de dois
relacionamentos anteriores. O que a princípio parecia ser um problema duplo a
ser enfrentado acabou sendo muito natural, graças à cordialidade e compreensão
das mães dos garotos, na época com sete e oito anos de idade. Ela contou que
como já tinha muito tempo que elas haviam terminado o relacionamento com ele,
não passaram a vê-la como a responsável pela separação e encararam numa boa.
“Ajuda muito quando a ex não vê a madrasta como uma rival e não tenta colocar
os filhos contra ela. Felizmente tive essa sorte, tanto é que elas são minhas
amigas e ajudam a ter essa boa relação com os enteados. Existe uma harmonia
muito grande”, disse, reconhecendo que essa é uma situação muito difícil de
acontecer.
Os
enteados não moram com ela, mas mesmo com o marido vivendo atualmente no
exterior, onde está fazendo doutorado, Marjorie contou que eles, hoje com 20 e
21 anos, sempre passam uma temporada em sua casa. Esse bom relacionamento entre
pai, mães, filhos e madrasta causa estranheza a algumas pessoas. Ela disse que
a aproximação dela com eles foi muito natural, sem se forçar nada. Segundo a
professora, como eles gostavam muito de desenhar e ela também isso acabou
aproximando-os e com isso foram se entendendo cada vez mais.
Para
ela, é difícil definir o sentimento que existe entre eles, pois não é um amor
como se fossem filhos, nem como amigos, mas é também um amor incondicional.
“Consegui amá-los de alguma forma, de um tipo que não sei explicar, não é como
mãe, não é como amiga, mas é algo muito forte”, contou, acrescentando que nunca
quis concorrer nem com as mães por este sentimento. “A referência maior é a
mãe”, completou.
"Relações afetivas entre madrastas e enteados
podem ser saudáveis"
A
psicóloga Poliana Reis de Oliveira disse que o modelo tradicional de
família, formado por pai, mãe e filhos, associado à felicidade encontra-se em
processo de transformação. É cada vez mais comuns pais separados ou que nunca
foram casados juntarem-se com outros e terem mais filhos e pessoas do mesmo
sexo que decidem viver juntas e formar uma família. “Como podemos perceber,
hoje não estão envolvidos apenas vínculos biológicos, mas também laços afetivos”.
Ela disse que é importante destacar que diante das novas configurações familiares surge a necessidade de uma revisão do conceito de família adotado anteriormente como padrão. Mas reconhece que este processo representa um desafio, no qual os membros da familiar são levados a conhecer uma estrutura, com rompimento da tradicional, para vivência de novas formas de existir e se relacionar. Segundo a psicóloga, há pesquisas que apresentam que essa geração tende a ser mais aberta, mais tolerante e menos preconceituosa por ter vivido essas novas configurações.
Ela disse que é importante destacar que diante das novas configurações familiares surge a necessidade de uma revisão do conceito de família adotado anteriormente como padrão. Mas reconhece que este processo representa um desafio, no qual os membros da familiar são levados a conhecer uma estrutura, com rompimento da tradicional, para vivência de novas formas de existir e se relacionar. Segundo a psicóloga, há pesquisas que apresentam que essa geração tende a ser mais aberta, mais tolerante e menos preconceituosa por ter vivido essas novas configurações.
“Geralmente
no primeiro casamento ou em casamentos que não haja filhos de relações
estabelecidas anteriormente, a chegada dos filhos surge a partir de ajuste do
casal, já em famílias originadas a partir do recasamento, esse tempo muitas
vezes é inexistente e os membros são desafiados com o enfrentamento de ajustes
múltiplos entre mulher-marido/enteada(o)/madrasta/padrasto”, disse. Segundo
Poliana Reis, esses múltiplos laços de parentescos pressupõem uma nova dimensão
afetiva até então desconhecida e ainda não familiar.
Ela acrescentou que a relação demanda uma esfera de cuidado, adaptação e reconfiguração de vínculos necessários à existência saudável dos indivíduos que compõe esse novo laço familiar, no qual cada um será responsável pela construção ou expansão de territórios afetivos necessários ao convívio familiar. Hoje essa mudança já tem levado a que as madrastas, tidas nos contos de fadas como pessoas más, sejam chamadas carinhosamente pelos enteados, principalmente crianças, como “boadrastas”. Porém a sociedade, buscando a manutenção do modelo tradicional de família não cria o dia da madrasta”, observou.
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Psicóloga Poliana Reis |
Para a psicóloga Poliana Reis, as relações afetivas entre madrastas e enteados
podem ser saudáveis, desde que haja respeito à diversidade e a singularidade,
existindo a necessidade de aceitação e não competição entre as partes. “O ideal
é que cada um reconheça o seu papel e função nas relações estabelecidas e
construídas na dinâmica familiar e que não procurem disputar, nem medir forças,
mas que estejam abertos ao desenvolvimento de uma relação construtiva e
saudável”, frisou a psicóloga.
Poliana
ressaltou que diante da ausência da mãe na vida do filho, independente do
motivo, o espaço dela deverá ser preservado e respeitado com o surgimento da
madrasta, que não terá o papel de se colocar no lugar da mãe, pois são espaços
distintos. Para ela, forçar um processo de negação da figura materna e sobreposição
da nova integrante da família pode gerar problemas. Segundo a psicóloga, há
evidências de casos de relações conflituosas diante da nova dinâmica familiar.
Entre
eles, alguns membros podem apresentar dificuldade e se deslocarem do papel
tradicionalmente aprendido (pai-mãe e filhos) para o papel mais
específico diante das novas possibilidades de convivência; em casos da não
aceitação da separação, os filhos e/ou ex-esposas podem apresentar dificuldade
de aceitar alguma nova relação estabelecida a partir do rompimento do laço até
então conhecido; existem relações onde a madrasta não aceita dividir espaço
físico e/ou afetivo com os enteados; alguns pais que, a partir do
estabelecimento do novo relacionamento, apresentam dificuldade em preservar a
relação com seus filhos provocando nos filhos a sensação de que foram trocados
ou abandonados. Além disso, pode ocorrer distanciamento do enteado com a
madrasta e/ou pai, diante da chegada de um filho do novo relacionamento, por
ciúmes e/ou sensação de perda de espaço.
Segundo a psicóloga, além dessas situações apresentadas e diante da dificuldade de estabelecimento de relações afetivas satisfatórias, existindo um distanciamento, provocado por inúmeras e subjetivas motivações, é necessário procurar ajuda profissional. “Havendo disponibilidade entre os membros, o diálogo franco e aberto, produzindo uma comunicação afetiva que permita que cada um possa expressar o que pensa e sente e entrar em contato com o outro, pode ser um importante instrumento na relação, produzindo aproximação, aceitação e criação de uma relação empática, necessária à construção e sedimentação de vínculos afetivos saudáveis”, afirmou a psicóloga Poliana Reis de Oliveira.
Beijos
@conversinhadmae
Fotos: Jadilson Simões (1 e 3)
Texto muito bom! Tb tenho madrasta e meu relacionamento com ela é o melhor possível!! Respeito ela como se fosse minha mãe.
ResponderExcluirGostei muito da reportagem, parabéns Edjane.
ResponderExcluirGostei!
ResponderExcluirMas acreditem: pior do que o preconceito das ex-esposas, enteados e famílias dum modo geral, é o preconceito das próprias madrastas que não tem boa relação com enteados e que, portanto, não aceitam, respeitam ou acreditam ser possível que isto aconteça com outras madrastas.
É importante cada vez mais desmistificar a visão da madrastra má de forma simplificada como voces explicaram... que é a mais valiosa...explicando e abordando temas como este.
ResponderExcluirparabéns pela reportagem...
Gostei do seu texto. Só acho que fez falta abordar mais o tema quando a mãe não aceita a presença da madrasta. Sou madrasta e a mãe de meu enteado não aceita que eu tenha com ele um bom relacionamento.
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